O texto que, a título excepcional, publicamos abaixo, é sobre um assunto que deve interessar a todos os militares, independentemente do ramo e da patente, não só por questões de ética e de honra a que todos estão estatutariamente vinculados, mas sobretudo devido às consequências que uma actuação ilegal pode ter na vida dos militares.

Leia aqui o documento na integra 

Este texto foi apresentado pelo Vice-Almirante Cunha Lopes enquanto orador na Conferência “As Forças Armadas e as missões de interesse público”, que teve lugar na Sala do Senado da Assembleia da República, no passado dia 30 de Maio de 2018, evento em que a ANS também esteve presente.

Vejamos alguns aspectos que devem ser ponderados:

O Código Penal tem tipificado o crime de – “Usurpação de funções” (artigo 358.º) com uma moldura penal até 2 anos de prisão. Por exemplo, o militar que se apresenta numa inspecção (fiscalização) como agente de autoridade, sem haver qualquer norma habilitante (os militares têm os mesmos poderes que os civis), arrisca-se a ser acusado desse crime. O facto de estar a cumprir uma ordem não o iliba de ser o autor material do crime. O RDM (Lei Orgânica n.º2/2009), no artigo 12.º “Dever de obediência” no ponto 1.º, diz que: os militares têm que obedecer prontamente às ordens dos superiores hierárquicos, desde que não implique a prática dum crime.

Imaginemos o seguinte cenário: – “Uma perseguição levada a cabo por um grupo do DAE (Destacamento Acções Especiais) dos fuzileiros a uma embarcação envolvida no tráfico de droga – os fuzileiros para obrigar a embarcação do tráfico a parar fazem uso de armas de fogo – morre um traficante”Quantos potenciais crimes estão neste cenário? Os fuzileiros ficariam ilibados só porque estavam a cumprir ordens, ou seriam os autores materiais? A lei que regula o uso da força (das armas) (DL n.º 457/99), além de não se aplicar aos militares, obriga a obedecer ao princípio da necessidade e da proporcionalidade. Será que chamar o DAE (uma capacidade de alto grau de letalidade) obedece a estes princípios? E não há nas forças policiais capacidades para lidar com estes casos? A PM, por exemplo, tem uma capacidade (GAT – Grupo de Acções Táctico-policiais) capaz de lidar com situações criminais complexas. A GNR tem o GOE (Grupo de Operações Especiais)!

O voluntarismo dos militares não se pode virar contra eles. E se os políticos querem que façam trabalho que a outros pertencem, têm que lhes dar condições – os militares não são pau para toda a obra, nem são os salvadores de todos os males que afectam a República.