31 de Janeiro

Dia Nacional do Sargento

O significado do 31 de Janeiro

Intervenção nas comemorações do Dia Nacional do Sargento, em Lisboa, em 1997

Comemoramos o 106º Aniversário da Revolta do 31 de Janeiro de 1891.
A revolta do 31 de Janeiro de 1891, também denominada revolta dos sargentos, foi a primeira tentativa feita em Portugal, para a implantação de um estado de direito e democrático, baseado na soberania popular.

Na revolta, quem se mostrou em primeiro plano, conjuntamente com poucos notáveis e paisanos desconhecidos, foram os sargentos e soldados anónimos, que viriam depois a sofrer consequências brutais pela sua participação no movimento. Mortos uns, exilados,presos, julgados e deportados outros, eles representam a iniciativa, a atitude consciente e interessada para com o futuro. Eles sonharam.

O significado do 31 de Janeiro

Porque razão os sargentos reivindicam esta data como sua?
Porque os sargentos tiveram um papel preponderante?
Mas porquê comemoram uma data que significa a derrota?

Bom, Jesus Cristo foi crucificado; contudo o cristianismo existe, é uma realidade. E em boa verdade para nós, o 31 de Janeiro de 1891 significa a revolta, a luta contra o conformismo, significa sair da zona de conforto, significa apostar na transformação, contribuir para a mudança e sonhar.

O associativismo militar não é um sonho, mas todos nós continuamos a sonhar. E os sonhos são objectivos e os objectivos atingem-se com persistência, com coragem e com determinação.

Após o 25 de Abril de 1974, os sargentos elegeram o 31 de Janeiro como o seu dia, como o dia do ano em que uma classe, ora categoria, se reunia em torno de um objectivo comum, a dignificação.

Até aos dias de hoje foi percorrido um caminho mais ou menos difícil. Com maiores ou menores avanços, com mais ou menos apoios, com maior or menor competência mas sempre com um objectivo definido, contribuir para a dignificação dos sargentos.

Tivemos uma comissão pró-estatuto, uma comissão nacional, criaram-se clubes e finalmente apostamos no associativismo militar, quando em 1989 fundamos a Associação Nacional de Sargentos (ANS).

A coesão de um dado agrupamento é algo de complexo. A mera existência de uma unidade profissional não implica necessariamente que seja coesa. Para que haja coesão é necessária a infusão de um permanente estado anímico que conduza os seus elementos activos a uma vivência intima com os objectivos daquela unidade. Esta constatação genérica ainda mais vigorosa se torna tratando-se de organismos vincadamente hierarquizados como as FFAA onde, se a ordem e disciplina são para se cumprir sem discussão, não é menos certo que só um profundo sentimento de ligação entre os militares (pessoas) e a finalidade do organismo è que pode dar consistência à realização prática da razão de ser da organização militar. Dito por outras palavras, o fim último de uma dada organização só se alcança validamente quando os seus elementos activos se sentem dentro dela de corpo e alma e não apenas de corpo. Para que tal aconteça, torna-se mister que estes elementos activos tenham a noção do seu estatuto através da apreciação crítica da forma e condições de trabalho e da vivência social e profissional. Se assim não fôr, corre-se o risco de choques e permanentes atritos no modo de abordagem e resolução de problemas e anseios – o funcional – põem-se em perigo a própria coesão da instituição. A coesão não se impõe; tem de ser sentida e vivida. Esta realidade sociológica até hoje não foi desmentida.

Eis aqui a verdadeira essência e a razão de ser de uma associação representativa.

O associativismo representativo é o estado elevado de consciencialização gregária em sede profissional, constituindo uma das componentes mais destacadas da democracia substancial, pela via do diálogo activo que exige. Não basta cantar Hossanas à democracia; a democracia só tem sentido enquanto praticada.

O associativismo representativo configura-se como um direito, garantido constitucionalmente numa democracia. Nada há, por isso, a recear do associativismo militar. A sua não aceitação é apenas um vestígio de preconceitos e mentalidades anquilosadas, de um certo medo pelo diálogo ou o reflexo de militarismo que, porventura, ainda persiste em certos sectores das FFAA. Mal vai a democracia que nega aos militares o envolvimento e a prática dos direitos democráticos.

Na actual fase de esforços pelo associativismo representativo de âmbito militar, está praticamente tudo dito quanto à sua legitimidade e conformidade constitucional em Portugal. Bastaria, por isso, caso necessário, fazer um único dossier dos diversos trabalhos apresentados ao longo dos últimos anos e apresentá-lo a quem de direito, em jeito de memorização, para que, de uma vez por todas, sem hesitações, se consagre legalmente este direito constitucional aos militares portugueses. Estes, por actos já revelados há muito, conquistaram o direito de serem cidadãos de corpo inteiro, não apenas como os demais concidadãos, mas também como os seus pares na Europa.

Assim, é sabido, entre outras razões, que:

  • A carta social europeia, ratificada pelo Dec. 38/91, de 6 de Agosto, reconhece no seu artº 5º, o direito geral do associativismo, que podendo ser limitado não pode jamais ser proibido.
  • A resolução do Parlamento Europeu de 24 de Abril de 1984 e a resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 1988, apelam a todos os Estados Membros da Comunidade Europeia a concederem aos militares o direito de, em tempo de paz, criar, aderir e activamente participar em associações profissionais a fim de defenderem os seus interesses sociais no quadro de instituições democráticas.
  • A existência da Euromil, congregando mais de 18 organismos de 14 países Europeus, exercendo funções representativas ou consultivas em organismos como a NATO, UEO, a CSCE, o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa.

No plano interno está demonstrado que:

  • O Artº 270º da CRP não proíbe o direito ao associativismo representativo nas FFAA, apenas permite restrições ao seu exercício, no estrito âmbito do seu Artº 18º, 3.
  • Num estado de direito democrático, o direito militar não pode constituir um segmento autónomo relativamente à ordem jurídicoconstitucional do Estado (como sucede quando rejeita o associativismo representativo e quando transforma em proibição o que não pode passar senão de meras restrições).
  • A proibição do direito de associativismo representativo consignado no Artº 31º, 6 da CRP, e o direito internacional recebido na ordem interna nesta matéria, é, por isso, inconstitucional.
  • A neutralidade, o partidismo e o modo de organização e funcionamento das FFAA, não se revelam incompatíveis com o exercício do direito de Associativismo representativo quando restringido a questões estritamente sócio-profissionais.

Chegados a este ponto, conclui-se pela necessidade inadiável de compatibilização do ordenamento jurídico-militar com o dictamen da CRP em matéria de reconhecimento do associativismo representativo. É o que impõe o sentido democrático de estado e a necessidade de coesão integral nas FFAA. Se mais não fosse necessário, a EUROMIL aí estaria para confirmar o acerto do que se afirma.

A história está a acontecer. Um novo capítulo sobre o associativismo militar se iniciou. Nós, os Sargentos, através da nossa ANS estamos a contribuir para que no futuro próximo o sonho se materialize:

Hoje como ontem lutamos contra o conformismo!
Hoje como ontem saímos da zona de conforto!
Hoje como ontem apostamos na transformação!
Hoje como ontem contribuímos para a mudança!
Hoje como ontem ousamos sonhar!

E para todos os sonhadores os melhores anos estão e estarão sempre para vir!
Muito obrigado!

Está disponivel na internet com livre acesso a versão digital do livro “A Revolução Portuguesa: O 31 de Janeiro”, de Jorge de Abreu, com edição de 1912, da Casa Alfredo David.

Ver aqui.